Maneiras - Você me ensinou a escrever

fevereiro 08, 2018

Maneiras



“Mas digo, sinceramente, na vida a coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia”.

O último verso da música do Zeca Pagodinho ficou na minha cabeça. Deve querer dizer alguma coisa, acredito. Porque hoje, como muitos outros dias, acordei com a necessidade de escrever. Alguns desses dias eu vou lá, sento e escrevo, outros não. Nesses outros eu acordo como num dia normal e me atento aos afazeres de casa, ou simplesmente durmo, ou simplesmente sigo meu rumo, vou à faculdade, estudo, ou talvez não faça nada. Mesmo assim escrevo, na mente, e acabo pedindo arrego, o que Zeca Pagodinho não pede.
É que, na verdade, na música, ele fala sobre viver sossegado, simplesmente, na dele, numa boa, procurando as coisas boas da vida. Se ele quiser, fuma, se ele quiser, bebe, pois ele tem o empregozinho dele lá para manter suas necessidades básicas, e como qualquer pessoa normal, que quer viver sua vida sem mais problemas, ele não arruma briga com ninguém, só se o incomodarem. Se mexerem com ele, ele não pede arrego, ele enfrenta, como enfrenta a vida, todos os dias. Santos dias!
Zeca Pagodinho, com certeza, não deve enfrentar maiores dilemas psicológicos, ou será que enfrenta? Como eu disse, acabo pedindo arrego para minha mente de vez em quando, por que há certas vezes em que ela não quer parar. Por isso escrever me faz tão bem, eu transformo a tortura do cálculo em algo que me dê proveito, algo que eu possa interpretar e fazer um canto, algo que possa me dar fruto. O deboísmo do Zeca Pagodinho, com certeza, acabou dando ótimos frutos à sua pessoa, não é à toa que ele acaba compondo muito bem, só mostrando como ele leva a vida, ops, como a vida o leva!
Lenine escreveu “não deixo a vida me levar, quem leva a vida sou eu”, pois é. E agora, de que lado nos encontramos? Me perguntei esses dias enquanto varria a casa, pensando descontroladamente no que faria no próximo minuto. Aliás, tinha de cozinhar, estudar, e me exercitar, também reservar um tempo para simplesmente me divertir. Porém, me divertia ver as coisas em ordem. Então, de certo modo, uma coisa continha a outra, por hora. Os panos e os pratos no lugar. A leitura organizada, o corpo limpo, a alma lavada. Acho que em certo sentido, nós levamos a vida, mas não impedimos que ela, também, nos leve. Precisamos que ela nos carregue, também.
Eu mesma vou sendo carregada pela rotina, e pelos compromissos que me propus assumir, às vezes muito peso, às vezes pena leve nas mãos, e levo isso comigo de pé no chão. É exatamente o que eu queria. Por isso, tanto Lenine como Zeca estão totalmente certos em suas afirmações. Não precisamos, mais uma vez, escolher um lado, ou achar que uma verdade, necessariamente, anula uma outra ou a transforma em uma mentira. Creio que Lenine nem teve intensão de dizer: “oia Zeca, enquanto tu é levado sem autonomia, eu tenho autonomia e levo minha vida do jeito que eu quero”. Que nada! Toda liberdade é condicionada, e só porque a vida nos leva não significa que não temos autonomia de escolher leva-la do nosso modo. Não é de brincadeira que mesmo o Zeca escolhendo lidar com a vida de maneira mais saudável possível, isso não vai significar automaticamente que ele estará isento ou isolado das variáveis, ou seja, algum maluco que queira brigar com ele. Às vezes esse maluco pode até ser ele mesmo.
É o que acontece com minha cabeça. Ela se mexe toda inquieta e endoida com meus sentidos. O treino constante é não pedir arrego à cabeça, mas dominar em função de (quê) ela age. Falamos sobre isso na aula de ontem. Concordamos que saúde poderia significar muita coisa, inclusive que, quando acontece, não significa que estamos todos em ordem, o tempo todo, ou que está tudo equilibrado, mas que conseguimos enfrentar aquele maluco lá de cima. De cabeça erguida.
Minha cabeça age, como sempre, em função não só do planejamento árduo que os humanos estão sempre fazendo, mas no meu caso, também, em função da ansiedade generalizada. É generalizada a angústia que movimenta os dias de alguém ansioso. Turbilhão de sentimentos. Como por exemplo, ler Nietzsche enquanto calcula quando irá ler Allan Kardec. Pensa nos vários mil livros que pretende ler futuramente, quando sequer terminou os outros cinco que está lendo atualmente.
Que doidera! Daí, insatisfeito com esse padrão de comportamento, tu faz mais planos ainda para desenvolver o autocontrole, a rima e dissipar a confusão. No entanto, fora todos os cálculos, ainda temos uns presentinhos de consolo. Um frio na barriga aqui, um momentinho de náusea ali. Uma tremedeira de praxe... quando vou à faculdade é que desponta, então. A sede de existir desengonça. Queremos agarrar o mundo com as mãos, enquanto ele nos abraça e quase sufoca.
Por isso tanta revolta tem, os jovens, com o sistema! Na aula de ontem falamos muito, também, sobre o problema envolto na lógica atual de produção. A necessidade constante de se estar produzindo, até mesmo quando não se está fazendo nada. Eu sempre pensei que mesmo quando não fazemos nada, podemos estar fazendo muita coisa, aliás, nosso corpo precisa disso, ele necessita de descanso. Para realizar qualquer tarefa, precisamos de disposição e atenção, e não realizamos plenamente tais tarefas com o corpo cansado. Estagnamos. Desse modo, a lógica de produção nem é tão falsa ou demoníaca em dizer que até fazendo nada fazemos algo. Ou mesmo que o ócio pode ser criativo. Mas é claro que pode, e na maioria das vezes, é. Inúmeros filósofos só se perguntaram sobre a vida porque não tinham outra coisa para fazer. E muitas vezes, mesmo que tivessem, ou pudessem escolher isto, escolheram dar lugar ao ócio e a voz da filosofia que a tudo questiona. Mas os jovens se irritam muito e muitas vezes com essa lógica de produtividade porque acabamos nos esquecendo de simplesmente ser, descansar, não pensar, não dividir cada meta na nossa cabeça, e a sede que por tudo aumenta. É que não dá para degustar nada se comemos ou bebemos tudo de uma vez. O apreço é necessário.
E daí eu sempre acabo discutindo comigo mesma e com meu bemzinho por causa da “inutilidade do sono” por causa de tudo isso. Porque eu gostaria de estar produzindo, aprendendo, cantando, vivendo, descobrindo o segredo do universo, sendo que, nem eu mesma acredito nisso. Que o segredo do universo não cairá do céu em minhas mãos, e nem mesmo que só terei oportunidade de vê-lo quando acordada. Não acredito que o sono não seja bom e nem necessário, mas a sede de existir e ansiedade pelo nada sem tradução me atordoa é por isso que não quero dormir. Aí penso que, como o Arcade Fire disse naquela música, devemos manter as pestanas sempre erguidas. Só que o AF não queria dizer, precisamente, isto. Dizia para acordarmos para a verdade da vida, e das pessoas que nos rodeiam. O que nos move, o que nos trava.
Manter as pestanas erguidas significa não fechar os olhos para as mentiras que nos contam, dentre elas: àquela de que não devemos, nunca, dormir e nos dar um sossego. Àquela de que a vida e o sistema pode levar-nos sem a nossa discriminação. Alimentados de mentiras, seguimos a cena, do maior espetáculo e consequentemente, do maior show da terra. Este que, pode ser de fato um fenômeno guiado pela aleatoriedade, mas nem sempre isso quer dizer que não haja um propósito, e esse propósito sejamos todos nós, seres em atividade. É possível, então, levarmos, cada um, a vida, enquanto ela nos leva. Fazer-nos com o que ela fez de nós. Pois, o mundo é uma troca.
Deve ser por isso que Zeca não gosta de quem reclama de barriga cheia. Aliás, tem gente que sequer tem o que comer.
Lyllian, 08.02.2018

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