pintura by Sarah Joncas
Como é demasiado complicado parar e
sentir...
Não deveria, não é? Sentir não requer
nenhum trâmite burocrático ou demais confusões sistemáticas, sentir não depende
de mais nada apenas que do puro, simples e mágico ato de incomodar-se.
Incomodar-se, meus amigos, é do que estamos precisando. Incomodar-nos para
então encontrar o nosso lugar. Você está no seu lugar, seu lugar no mundo? Você
se sente pertencente ao espaço que ocupa? E não caiamos em reducionismos
físicos. Pense grande, sinta grande, ultrapasse sua meta... você se sente
pertencente a você mesmo? Perguntas muito difíceis de serem respondidas. Eu
pergunto a mim mesma, ao passo que pergunto também a vocês, seja lá quem vocês
forem (possam ser, venham a ser.…)
Em meio a um mundo consumido pelo
tempo, ficou difícil mesmo sentir. Seguimos correndo e correndo e correndo,
criamos o nosso próprio e maior inimigo, e ainda assim o culpamos, afinal, a
culpa não poderia ser nossa, né? Cegos, não vemos que nós mesmos somos a fonte
de nossos próprios medos, lutamos com o adversário errado, e assim perdemos
todas as batalhas. Consequentemente, a guerra continua. E quem diria que
derramaríamos tanto sangue, não é mesmo? Todavia, continuamos "firmes e
fortes", sangrando eternamente, sem nunca reparar no vermelho predominante
de nosso semblante, aliás, desenvolvemos a maquiagem perfeita para estes
pequenos defeitos: o dinheiro em nosso bolso, e o (falso) poder em nossas mãos.
Um velho psicanalista já havia suposto,
que muito da função do poder material é suprimir o desejo a ponto de
dissipá-lo. Taí, a sentença de morte do sentir. Ninguém quer render-se ao
desejo, ninguém quer render-se a si mesmo. Vivemos no mundo onde ser você mesmo
é uma audácia. A que ponto chegamos? Eu não posso ser eu, e consequentemente,
mesmo que inconscientemente, não posso deixar que você seja você,
principalmente quando isso implica na minha falsa autenticidade. Esse é,
também, o perigo do nosso sistema capitalista pós-moderno; numa época dita
moderna éramos o reflexo do que um dia quase fomos (quase verdadeiros), hoje
somos o reflexo deste reflexo, e cada vez mais nos encontramos longe do uno,
luz da vida e de toda existência de nós mesmos. Nos encontramos fora de nós,
imersos numa onda invencível de medo e ganância. Nada mais sensato que
justificar o temor do autoconhecimento e da livre aceitação do mais repugnante
em nós, com a desculpa do quanto temos orgulho de sermos quem somos, mascarando
toda a finitude e incompetência com a pose de um ser jovial, meigo e
bem-sucedido. Cada qual com seu carro e suas sacolas!
Há quem diga que somos seres limitados
aos olhos da Criação. Há quem cuspa a realidade em nossos ombros ao enfatizarem
o quanto nos tornamos pequenos aos olhos de Deus, e o quão distante estamos e
permanecemos da sua grandeza. E olha lá que o que eu digo não depende de fé, meu
caro amigo, depende de ponto de vista. Seja lá o que deus possa ser para mim ou
para você, seja um Todo infinito ou o só o sanduíche que irá comer na próxima
lanchonete que encontrar... a pergunta é: nossa condição humana nos limita de
conhecer os nossos potenciais espirituais, ou nós criamos as condições que nos
limitam continuamente de exercer os nossos potenciais humanos? A humanidade é
uma limitação e condição do animal-imediato, ou uma condição da nossa natureza
e semelhança com Deus? Seja ela o que for.
Hoje foi um dia muito cheio, digamos
assim. Eu poderia dizer que criei todas as condições que me impediram de
sentir, de vivenciar a minha relação com o mundo num momento presencial de
eu-tu, eu-universo, eu-eu. Talvez eu tenha permanecido na racionalização, na
reflexão contínua do não vivido, na relação infinita e desgastante do
sujeito-objeto. Eu não sei. Mas, é muito bom parar, perceber a tensão no meu
corpo, olhar para dentro e saber... que me sinto (quase) completamente
consciente da minha imposição, que sob a luz da minha reflexão eu-isso, poderei
enfim voltar a mim mesma e sentir de fato, deixar a ansiedade de nada
finalmente ir embora e descansar.
Ao ler essas palavras, já posso sentir
que tudo que restou dos cálculos de hoje, foram apesar de dolorosas, grandes
conquistas, grandes sucessos, pois, para que eu possa seguir em paz, é
necessário dar-me conta do meu distúrbio particular. Como no sintoma do mundo,
eu também preciso transfigurar meu desejo n’algum conto que me satisfaça e me
dê suporte para continuar. E não, não é reprimindo, não é consumindo, não é
tomando o poder, é na exploração da minha capacidade de ser.
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