Acabado
de deitar minhas costas sobre a cabeceira da cama achando não ter mais forças
nenhuma. Meus olhos deitam, nus de sono, sem disfarce algum, mas a folha em
branco chama, queima como que esperando pelas cinzas derramadas da minha alma.
Corpo alarmante!
Foi
um dia difícil, como tantos outros, e daí no final do dia, será que sobra tempo
para saber o que se passa com você?
O
café da manhã, e o almoço que nunca ficou pronto na hora, a aula atrasada, os
estudos aprofundados aguardando seu retorno. Sua mãe preocupada, seu vizinho
aperriado, sua amiga pedindo atenção. Ahh! Será que é fácil sobreviver a essa
exacerbação de expectativas sobre você?
É
porque não dá mesmo pra ir àquele bar amanhã, minha agenda tá lotada, minha
vida monótona trancafiada numa cela de prisão.
Mas
que cela, menino? Só se for aquela chamada resistência à satisfação. Bem como
essa que tu sente ao terminar de comer o pão e quando a pia da cozinha fica
limpa. A gente tende a transfigurar os feitiches com o tempo, tardio.
E
a gente anda rápido, feito cego, feito gente que vê demais e gente que finge
que não vê, mas a prisão quem cria somos eu e você.
Pois,
quem disse que não resta uma horinha para escrever?
Ah,
se resta, e vem de sobra dando sopa pra comer.
Só
sei do prazer que vi ao sentir as flores e os mosquitos beijando minhas pernas
brancas e maciças. Os sorrisos ondulados e o campo minado de doces e amargas
paixões.
Sei
que o céu nasceu menos azul hoje, e a casa, mesmo suja, limpou e libertou minha
alma de uma inércia sem um pingo de luz.
Soube
então, que a força no coração do homem nem sempre e mesmo hoje, não se perdeu.
Gostaria
que meu corpo pudesse responder à altura da amplitude que eu sinto, amplitude
essa incalculada pela diferença entre o maior e o menor de mim.
Eu
quero o gozar sem fim, como a mulher que morreu com o peso do hedonismo nas
costas. Ela não faleceu, viveu.
Morreu
como quem dita a história, a realeza, enfim, o contrário do mito de Orfeu.
Orfeu
esse que nunca sai da minha pronúncia nem que queira, visto que é besta
espiritual e domador dos meus sonhos mais macabros,
e
o que imorta é que não se esconda o jogo, e que se tire o touro da jogada.
Tudo
mudou quando me mudei de casa. Vesti novas roupas, e trajes inalcançáveis.
Alcancei o incalculável.
Chega
assusta, minha gente...
Vivo
esperando o jantar que não sai se minha mão não se mexer. E espero, fazendo
acontecer.
Trabalhando
no meu manto santo, trabalhando por trabalhar. Me indagando sobre a existência
enquanto danço e enquanto passo o pano e a roupa de usar no dia seguinte.
Enquanto
lavo a roupa suja e medito sobre essa livre consciência tardia e associada ao
inconsciente.
Vivo
o momento presente, enquanto pondero sobre o futuro, que é já, é mesmo agora
meu corpo ainda cansa de raciocinar, fazer as contas de quanto vale uma vida de
sossego, chamêgo esse meu e teu.
De
quanto vale uma vida dentro do seu próprio lar.
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